domingo, 9 de agosto de 2020

UM JEITO DIFERENTE DE AMAR





Por Ana Medeiros

      Falar do meu pai não é tão simples assim. Homem humilde, honesto cheio de preceitos  morais. Não muito dado a afetos e carinhos, isso às vezes, até demonstrava, porém, aos filhos dos outros porque, segundo ele falava, não adulava filhos. Preocupava-se sempre em demonstrar  sua autoridade sobre estes. 
      Não quero aqui criticar meu pai, mesmo porque, do seu jeito torto, amava a mim e meus sete irmãos. 
      Ficou viúvo cedo, logo casou novamente, construiu nova família. Da antiga, só restou a mim e uma irmã para criar, mas essa minha irmã ele  deixou com minha avó, a mãe dele, que a criou.
Os outros filhos, cada um seguiu seu destino. No entanto, eu era a caçula.
     Homem calado, sempre cabisbaixo.
     Não recordo de vê-lo otimista, estava sempre na retaguarda. Mas, de vez em quando, cantava,  contava piadas.
     Gostava de política e de ouvir rádio. Ainda lembro de um aparelho de rádio que possuía, na cor amarela.
      Era analfabeto, por esse motivo, acho, com exceção do primogênito, não incentivava os filhos a estudar, especialmente as filhas.
     Com certeza, dele herdei a timidez.       
     Decepcionava-se facilmente com a vida e as pessoas. Sempre lamentou a perda precoce da minha mãe, achando que não daria conta de criar os filhos sozinho. 
     Materialmente nunca me deixou faltar nada, dentro das suas possibilidades, porque não éramos ricos.
      Gostaria bastante de tê-lo por perto até o final da sua vida, mas por consequências do destino isso não foi possível, sequer meus filhos conheceu, pois faleceu antes que nascessem, o que foi triste para mim, que sonhei vê-lo brincando com eles.
     Quando faleceu, nem ao menos pude vê-lo, pois já havia seguido meu rumo para longe e soube da sua partida vários dias depois.
      Lamentei e chorei, fiquei bastante tempo sem acreditar na sua partida.
     Meu pai pode até não ter sido meu herói, nem o amigo que eu sonhara, mas me amou da maneira que achou correta, talvez da única maneira que sabia e eu o agradeço por isso. 
     Foi presente na minha vida até os meus dezoito anos. Ensinou-me a ser uma pessoa do bem, esteve presente, mesmo sendo afetivamente ausente.
     Eu o amei e sou grata a Deus por ter me permitido a honra de ser sua filha, mesmo com o seu jeito diferente de amar. 

*O pai de Ana Medeiros era Manoel Fernandes, comerciante, tinha mercearia no bairro Boa Vista e uma banca que comercializava pães no Mercado Central de Mossoró. Morava na Francisco Romualdo, onde Ana Medeiros nasceu.


2 comentários: