sábado, 15 de agosto de 2020

PADRE SÁTIRO

 


Por José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
Pesquisador e membro efetivo do Instituto Cultural do Oeste Potiguar
jesegundo@hotmail.com

 

Fazenda Poço de Pedra, zona rural de Pau dos Ferros, propriedade de Sátiro Ferreira Nunes. Homem respeitado que, por essa razão, era conhecido como Coronel Sátiro. Pois bem, aos 22 de janeiro de 1930, a sua filha Erondina Cavalcanti Dantas e o esposo João Fernandes Dantas ganharam mais um filho: Sátiro Cavalcanti Dantas. Recebeu esse nome em homenagem ao avô materno e, por isso, era chamado Netinho. Da extensa prole de doze filhos, sobreviveram cinco: Socorro, José Fernandes Dantas, Sátiro, Francisca Dantas e Erondina Dantas.

A infância do menino Sátiro foi em Pau dos Ferros, chegando a morar em Marcelino Vieira e Antônio Martins. Seu pai, João Fernandes Dantas, paraibano da cidade de Pombal, foi ferroviário trabalhando como apontador na construção da estrada de ferro Caraúbas-Patu. O engenheiro era Pedro Leopoldo da Silveira, o pai de Padre Alcir Leopoldo Dias da Silveira (meu avô materno e tio, respectivamente). Perdeu o pai bastante cedo, com quarenta e dois anos. Coube à viúva, Dona Erondina, assumir a árdua missão de cuidar dos cinco filhos e do armazém que o seu esposo mantinha há pouco tempo. Esse armazém era sortido. Vendia do sabão à fazenda, do pirulito que vinha de Manoel Negreiros, de Mossoró, das Lojas Manoel Negreiros, ao queijo de Janduís-RN. Contudo não prosperou. Em menos de dois anos, foi à falência. A inexperiência de Dona Erondina e os filhos José Dantas e Sátiro contribuíram para o seu fechamento. Para o jovem Sátiro foi uma experiência muito marcante, porque seria um começo de uma longa jornada. Com dificuldades financeiras, Netinho passou a vender água de jumento extraindo o precioso líquido das cacimbas e do Açude 25 de Março. Com essa modesta renda, Sátiro comprou o enxoval, quando estava se preparando no Seminário Santa Teresinha.

Na família, inicialmente, quem desejava ser padre era o seu irmão José Dantas. Quando seu pai, João Dantas, foi doente para Recife-PE, com um tumor no estômago e desenganado pelo médico Lavoisier Maia, em Mossoró. Resiliente, João Dantas, antes de falecer, fez recomendações para José Dantas, que ele chamava de Dedé, e Sátiro, chamado de Netinho: “Dedé quer ir para o seminário, incentive. Netinho é meio peralta, ainda não sabe o que quer, mas ele vai ser alguém, também”.

A partir daí, a situação se inverteu. A vocação sacerdotal do irmão mais velho foi transferida para Sátiro. Zé Dantas foi para Mossoró estudar. Sátiro ficou em contato com o padre Manoel Caminha Freire, seu grande incentivador. Além dele, apenas a sua mãe acreditava que o jovem Netinho queria ser padre. Sobre o tema, Sátiro se recorda com saudade da professora no Grupo Escolar Joaquim Correia, Sotera Arruda. Dona Sotera havia dito: “esse menino é inteligente quer ir para o seminário estudar bem e depois ser doutor, não quer ser padre”. Mas Padre Caminha e Dona Erondina insistiram, e Padre Caminha afirmou, taxativamente: “se Mossoró não aceitar você, eu lhe mando para Limoeiro do Norte, no Ceará”.

Sátiro chegou ao seminário com uma turma atrasada no dia 9 de fevereiro de 1943. Nesse dia foi a primeira vez que o jovem seminarista viajaria num trem. Chegando às 10 horas da manhã e às 10 horas mesmo foi levado para o seminário. O reitor era Padre Huberto, a quem Sátiro deve bastante a sua formação. Padre Huberto fazia um diário. Na chegada do jovem seminarista depois de um mês ele dizia: “Chegou um tal de Netinho, pelas aparências vai ser gente. Promete e muito”. Essa observação de Padre Huberto foi extraída do livro Memorial do Seminário de Mossoró do ex-seminarista upanemense Josafá Inácio da Costa e mencionada por Sátiro em entrevista para o programa Mossoró de Todos os Tempos da TCM (TV Cabo Mossoró), em 2011.

Padre Sátiro também estudou nos seminários de Fortaleza-CE e Olinda-PE e em São Leopoldo-RS, onde cursou Filosofia, de 1949 a 1951. Sátiro tinha uma grande admiração pela ação católica. O segundo bispo de Mossoró, o pernambucano Dom João Batista Portocarrero Costa (1904-1959) disse: “Olha a Teologia. E você faz Filosofia em São Leopoldo e depois vai fazer Teologia na Argentina”. Estava no auge da ação católica. E Dom Costa era o papa da Ação Católica no Brasil, ele e Dom Hélder Câmara. Em Buenos Aires estava o Cardeal Caggiano, que era o ‘ás’ da Ação Católica na América Latina. Quando Sátiro estava terminando Filosofia, em São Leopoldo, Dom Costa mudou de ideia e lhe comunicou: “Você não vai mais para a Argentina, você vai para Roma”. Roma para um estudante sacerdotal eclesiástico era um sonho. Chegando no Vaticano em 1951, Dom Costa o orientou a estudar a Ação Católica. Sátiro fez um estudo paralelo sobre a Juventude Operária Católica (JOC). Dom Costa foi transferido por causa de doença. Em seu lugar, veio o dinâmico baiano Dom Eliseu Simões Mendes (1915-2001). Foi Dom Eliseu que ordenou Padre Sátiro no dia 8 de dezembro de 1954, em Roma. Data especial porque era o Cinquentenário do Colégio Imaculada Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Pau dos Ferros.

Sátiro passou ainda um ano em Roma, como padre. Retornou a Mossoró no dia 28 de novembro de 1955 para ser secretário do Colégio Diocesano, lá no prédio velho (hoje, agência do Banco do Brasil), localizado na Praça Vigário Antônio Joaquim. Mais uma vez a sua vida teve que passar por grandes desafios. Porque, em nenhum momento imaginou em ser professor, já que não tinha feito matéria pedagógica, nos locais em que estudou. No outro dia, estava com o cearense Cônego Francisco Sales Cavalcanti (1911-1991), então diretor. No colégio lecionava História e outras disciplinas. Em 1956 foi nomeado professor da Escola Normal de Mossoró. Ministrava as suas aulas de batina branca. Nessa lendária instituição educacional mossoroense exerceu a docência por 22 anos. Ainda em 1956, em 9 de junho presenciou a inauguração do novo prédio – e atual - do Colégio Diocesano Santa Luzia, graças ao esforço incessante do Cônego Sales, que esteve à frente da construção.

Em 30 de dezembro de 1956 foi nomeado Capelão da São Vicente. Função que ocupou até o dia 2 de setembro de 2012, depois de relevantes serviços prestados àquela comunidade religiosa e patrimônio cultural da cidade. Afinal de contas, nunca é demais lembrar que foi nas imediações da Capela de São Vicente que houve a maior resistência de Mossoró, ao bando do temível cangaceiro Lampião. Nas suas proximidades, o cangaceiro Colchete foi morto e Jararaca baleado, falecendo seis dias depois.

Em 1º de janeiro de 1961, foi nomeado diretor do colégio pelo 4º Bispo de Mossoró, o cearense Dom Gentil Diniz Barreto (1910-1988). No secular educandário criou a Universidade Infantil de Mossoró (UNIFAM), em 1976, construiu o parque poliesportivo, capela ecumênica e diversas salas de aula. Nas dependências do Colégio Diocesano Santa Luzia, criou o Ginásio Centenário, o Cardeal Câmara e o Dom Costa. Quando Capelão da São Vicente, Sátiro criou, aos 13 de junho de 1974, a Escola 13 de Junho.

Em 5 de março de 1981, Padre Sátiro criou a Fundação Sócio-Educativa do Rio Grande do Norte (FUNSERN). A FUNSERN é um complexo educacional de ampla atuação que envolve as instituições: Pastoral da Gruta, Creche Erondina Cavalcanti Dantas, Biblioteca Dorian Jorge Freire, Banda de Música Cabo Pereira, Posto de Saúde Alice Almeida, FM Santa Clara (inaugurada em 18 de maio de 1988), Mosteiro da Fraternidade São Francisco de Assis, no bairro Dom Jaime Câmara, inaugurado em 11 de agosto de 1999 na rua Erondina Cavalcanti Dantas.

Em 1985, Padre Sátiro se engajou no processo de estadualização da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Nessa época, a futura universidade era vinculada ao município de Mossoró. Como reitor da instituição, Sátiro enfrentou uma grave crise, com seis meses de salários atrasados. Nesse processo contou com a colaboração do conterrâneo e amigo, Canindé Queiroz, o apoio necessário para luta que estaria por vir. Foi até Natal sozinho para conversar com o governador á época, Radir Pereira. O ano era 1986. Campanha eleitoral para governador do Estado. Cada um dos candidatos manifestou seu apoio. Geraldo foi o primeiro e explodiu uma bomba, dizendo ao público: “Se Radir não estadualizar a universidade, o primeiro ato do meu governo vai ser a estadualização”. A história se deu que a universidade foi estadualizada no dia 7 de janeiro de 1987. Radir certo que Sátiro ficaria no segundo mandato. Mas não. Para Padre Sátiro, a missão já estava cumprida.

Embora, tivesse ligação política na família, pelo lado materno, Padre Sátiro optou por não participar ativamente. O seu avô era político. Seus tios maternos, os advogados Israel Ferreira Nunes e Licurgo Ferreira Nunes, também. O primeiro foi deputado por vários mandatos, ao passo que o segundo foi prefeito de Pau dos Ferros. Chegou a ser convidado para se candidatar a Prefeito de Mossoró em 1972. Declinou do convite, peremptoriamente.

Em 25 de setembro de 1988, fundou com vários intelectuais mossoroenses, a Academia Mossoroense de Letras-AMOL. É o primeiro ocupante da cadeira 11, cujo patrono foi Luiz Ferreira Cunha da Mota, Padre Mota (1897-1966). Essa entidade cultural lhe era bastante familiar, visto que seu tio materno, médico Raimundo Nonato Cavalcanti Nunes (Raimundo Nunes) foi o primeiro ocupante da cadeira 28. Raimundo Nunes faleceu aos 19 de janeiro de 1990 em Natal-RN. Quem sucedeu seu tio foi o seu irmão, José Fernandes Dantas. É sócio do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP) e da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de Mossoró (ACJUS).

Publicou vários trabalhos: Contribuição de Leão XII à questão social (1966); Homenagem Póstuma ao Acadêmico Raimundo Nonato Nunes (1990); Os Bastidores de uma Luta (1991), dentre outros.

Com uma trajetória reconhecida em defesa da Educação e da Sociedade Potiguar, o Padre Sátiro Cavalcanti Dantas lançou na noite de 08 de dezembro de 2015, o livro Reflexões – Programas da FM Educativa Santa Clara. Trata-se de uma coletânea dos melhores momentos de seu programa diário na FM Santa Clara (105), apresentado sempre às 18h. O título foi cuidadosamente compilado pelos escritores David Leite e Clauder Arcanjo, da editora Sarau das Letras, em uma justa homenagem ao padre. A data marcou os 61 anos de sua ordenação sacerdotal e os 161 anos do dogma da Imaculada Conceição.

Padre Sátiro deixou a direção do Colégio Diocesano Santa Luzia em 8 de junho de 2016, em bela solenidade. Emocionado, pediu ao bispo Dom Mariano Manzana que o seu dileto conterrâneo, Padre Charles Lamartine de Sousa Freitas, o sucedesse.

Sátiro mantém a sua participação nos eventos, inaugurações, solenidades, lançamentos, na cidade de Mossoró. Apesar de não se considerar como presença ativa, e sim mais contemplativa e de entusiasmo. Ele, de fato, entusiasma as gerações novas. Porque a sua atividade fecunda nos mais diversos ramos de atividade, enriquece não apenas a gleba mossoroense, como o oeste potiguar, em especial.

Em sua terra natal, Padre Sátiro foi merecidamente homenageado, como patrono de biblioteca, a Biblioteca Setorial Padre Sátiro Cavalcanti Dantas do Campus Avançado de Pau dos Ferros. Inaugurada em 30 de novembro de 2018 pela manhã, contou com a ilustre presença do homenageado. Na ocasião, num dos momentos mais marcantes da solenidade, afirmou Padre Sátiro, sendo muito aplaudido.

 

Não escrevi nenhum discurso de propósito, para que meu coração se abrisse em Pau dos Ferros… Quero documentar minha presença nessa solenidade e na Biblioteca, para que ela tenha sempre uma parte de mim. Por isso, decidi doar toda a obra de Santo Agostinho do acervo da minha biblioteca pessoal.

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