Por José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
Pesquisador e
membro efetivo do Instituto Cultural do Oeste Potiguar
jesegundo@hotmail.com
Fazenda
Poço de Pedra, zona rural de Pau dos Ferros, propriedade de Sátiro Ferreira
Nunes. Homem respeitado que, por essa razão, era conhecido como Coronel Sátiro.
Pois bem, aos 22 de janeiro de 1930, a sua filha Erondina Cavalcanti Dantas e o
esposo João Fernandes Dantas ganharam mais um filho: Sátiro Cavalcanti Dantas.
Recebeu esse nome em homenagem ao avô materno e, por isso, era chamado Netinho.
Da extensa prole de doze filhos, sobreviveram cinco: Socorro, José Fernandes
Dantas, Sátiro, Francisca Dantas e Erondina Dantas.
A
infância do menino Sátiro foi em Pau dos Ferros, chegando a morar em Marcelino
Vieira e Antônio Martins. Seu pai, João Fernandes Dantas, paraibano da cidade
de Pombal, foi ferroviário trabalhando como apontador na construção da estrada
de ferro Caraúbas-Patu. O engenheiro era Pedro Leopoldo da Silveira, o pai de
Padre Alcir Leopoldo Dias da Silveira (meu avô materno e tio, respectivamente).
Perdeu o pai bastante cedo, com quarenta e dois anos. Coube à viúva, Dona
Erondina, assumir a árdua missão de cuidar dos cinco filhos e do armazém que o
seu esposo mantinha há pouco tempo. Esse armazém era sortido. Vendia do sabão à
fazenda, do pirulito que vinha de Manoel Negreiros, de Mossoró, das Lojas
Manoel Negreiros, ao queijo de Janduís-RN. Contudo não prosperou. Em menos de
dois anos, foi à falência. A inexperiência de Dona Erondina e os filhos José
Dantas e Sátiro contribuíram para o seu fechamento. Para o jovem Sátiro foi uma
experiência muito marcante, porque seria um começo de uma longa jornada. Com
dificuldades financeiras, Netinho passou a vender água de jumento extraindo o
precioso líquido das cacimbas e do Açude 25 de Março. Com essa modesta renda,
Sátiro comprou o enxoval, quando estava se preparando no Seminário Santa
Teresinha.
Na
família, inicialmente, quem desejava ser padre era o seu irmão José Dantas.
Quando seu pai, João Dantas, foi doente para Recife-PE, com um tumor no
estômago e desenganado pelo médico Lavoisier Maia, em Mossoró. Resiliente, João
Dantas, antes de falecer, fez recomendações para José Dantas, que ele chamava
de Dedé, e Sátiro, chamado de Netinho: “Dedé quer ir para o seminário,
incentive. Netinho é meio peralta, ainda não sabe o que quer, mas ele vai ser
alguém, também”.
A
partir daí, a situação se inverteu. A vocação sacerdotal do irmão mais velho
foi transferida para Sátiro. Zé Dantas foi para Mossoró estudar. Sátiro ficou
em contato com o padre Manoel Caminha Freire, seu grande incentivador. Além dele,
apenas a sua mãe acreditava que o jovem Netinho queria ser padre. Sobre o tema,
Sátiro se recorda com saudade da professora no Grupo Escolar Joaquim Correia,
Sotera Arruda. Dona Sotera havia dito: “esse menino é inteligente quer ir para
o seminário estudar bem e depois ser doutor, não quer ser padre”. Mas Padre
Caminha e Dona Erondina insistiram, e Padre Caminha afirmou, taxativamente: “se
Mossoró não aceitar você, eu lhe mando para Limoeiro do Norte, no Ceará”.
Sátiro
chegou ao seminário com uma turma atrasada no dia 9 de fevereiro de 1943. Nesse
dia foi a primeira vez que o jovem seminarista viajaria num trem. Chegando às
10 horas da manhã e às 10 horas mesmo foi levado para o seminário. O reitor era
Padre Huberto, a quem Sátiro deve bastante a sua formação. Padre Huberto fazia
um diário. Na chegada do jovem seminarista depois de um mês ele dizia: “Chegou
um tal de Netinho, pelas aparências vai ser gente. Promete e muito”. Essa
observação de Padre Huberto foi extraída do livro Memorial do Seminário de Mossoró do ex-seminarista upanemense
Josafá Inácio da Costa e mencionada por Sátiro em entrevista para o programa
Mossoró de Todos os Tempos da TCM (TV Cabo Mossoró), em 2011.
Padre
Sátiro também estudou nos seminários de Fortaleza-CE e Olinda-PE e em São
Leopoldo-RS, onde cursou Filosofia, de 1949 a 1951. Sátiro tinha uma grande
admiração pela ação católica. O segundo bispo de Mossoró, o pernambucano Dom
João Batista Portocarrero Costa (1904-1959) disse: “Olha a Teologia. E você faz
Filosofia em São Leopoldo e depois vai fazer Teologia na Argentina”. Estava no
auge da ação católica. E Dom Costa era o papa da Ação Católica no Brasil, ele e
Dom Hélder Câmara. Em Buenos Aires estava o Cardeal Caggiano, que era o ‘ás’ da
Ação Católica na América Latina. Quando Sátiro estava terminando Filosofia, em
São Leopoldo, Dom Costa mudou de ideia e lhe comunicou: “Você não vai mais para
a Argentina, você vai para Roma”. Roma para um estudante sacerdotal
eclesiástico era um sonho. Chegando no Vaticano em 1951, Dom Costa o orientou a
estudar a Ação Católica. Sátiro fez um estudo paralelo sobre a Juventude
Operária Católica (JOC). Dom Costa foi transferido por causa de doença. Em seu
lugar, veio o dinâmico baiano Dom Eliseu Simões Mendes (1915-2001). Foi Dom
Eliseu que ordenou Padre Sátiro no dia 8 de dezembro de 1954, em Roma. Data
especial porque era o Cinquentenário do Colégio Imaculada Nossa Senhora da
Conceição, Padroeira de Pau dos Ferros.
Sátiro
passou ainda um ano em Roma, como padre. Retornou a Mossoró no dia 28 de
novembro de 1955 para ser secretário do Colégio Diocesano, lá no prédio velho (hoje,
agência do Banco do Brasil), localizado na Praça Vigário Antônio Joaquim. Mais
uma vez a sua vida teve que passar por grandes desafios. Porque, em nenhum
momento imaginou em ser professor, já que não tinha feito matéria pedagógica, nos
locais em que estudou. No outro dia, estava com o cearense Cônego Francisco Sales
Cavalcanti (1911-1991), então diretor. No colégio lecionava História e outras
disciplinas. Em 1956 foi nomeado professor da Escola Normal de Mossoró.
Ministrava as suas aulas de batina branca. Nessa lendária instituição
educacional mossoroense exerceu a docência por 22 anos. Ainda em 1956, em 9 de
junho presenciou a inauguração do novo prédio – e atual - do Colégio Diocesano
Santa Luzia, graças ao esforço incessante do Cônego Sales, que esteve à frente
da construção.
Em
30 de dezembro de 1956 foi nomeado Capelão da São Vicente. Função que ocupou
até o dia 2 de setembro de 2012, depois de relevantes serviços prestados àquela
comunidade religiosa e patrimônio cultural da cidade. Afinal de contas, nunca é
demais lembrar que foi nas imediações da Capela de São Vicente que houve a
maior resistência de Mossoró, ao bando do temível cangaceiro Lampião. Nas suas
proximidades, o cangaceiro Colchete foi morto e Jararaca baleado, falecendo seis
dias depois.
Em
1º de janeiro de 1961, foi nomeado diretor do colégio pelo 4º Bispo de Mossoró,
o cearense Dom Gentil Diniz Barreto (1910-1988). No secular educandário criou a
Universidade Infantil de Mossoró (UNIFAM), em 1976, construiu o parque poliesportivo,
capela ecumênica e diversas salas de aula. Nas dependências do Colégio
Diocesano Santa Luzia, criou o Ginásio Centenário, o Cardeal Câmara e o Dom
Costa. Quando Capelão da São Vicente, Sátiro criou, aos 13 de junho de 1974, a
Escola 13 de Junho.
Em
5 de março de 1981, Padre Sátiro criou a Fundação Sócio-Educativa do Rio Grande
do Norte (FUNSERN). A FUNSERN é um complexo educacional de ampla atuação que
envolve as instituições: Pastoral da Gruta, Creche Erondina Cavalcanti Dantas,
Biblioteca Dorian Jorge Freire, Banda de Música Cabo Pereira, Posto de Saúde
Alice Almeida, FM Santa Clara (inaugurada em 18 de maio de 1988), Mosteiro da Fraternidade
São Francisco de Assis, no bairro Dom Jaime Câmara, inaugurado em 11 de agosto
de 1999 na rua Erondina Cavalcanti Dantas.
Em
1985, Padre Sátiro se engajou no processo de estadualização da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Nessa época, a futura universidade era
vinculada ao município de Mossoró. Como reitor da instituição, Sátiro enfrentou
uma grave crise, com seis meses de salários atrasados. Nesse processo contou
com a colaboração do conterrâneo e amigo, Canindé Queiroz, o apoio necessário
para luta que estaria por vir. Foi até Natal sozinho para conversar com o
governador á época, Radir Pereira. O ano era 1986. Campanha eleitoral para governador
do Estado. Cada um dos candidatos manifestou seu apoio. Geraldo foi o primeiro
e explodiu uma bomba, dizendo ao público: “Se Radir não estadualizar a
universidade, o primeiro ato do meu governo vai ser a estadualização”. A
história se deu que a universidade foi estadualizada no dia 7 de janeiro de
1987. Radir certo que Sátiro ficaria no segundo mandato. Mas não. Para Padre
Sátiro, a missão já estava cumprida.
Embora,
tivesse ligação política na família, pelo lado materno, Padre Sátiro optou por
não participar ativamente. O seu avô era político. Seus tios maternos, os
advogados Israel Ferreira Nunes e Licurgo Ferreira Nunes, também. O primeiro
foi deputado por vários mandatos, ao passo que o segundo foi prefeito de Pau
dos Ferros. Chegou a ser convidado para se candidatar a Prefeito de Mossoró em
1972. Declinou do convite, peremptoriamente.
Em
25 de setembro de 1988, fundou com vários intelectuais mossoroenses, a Academia
Mossoroense de Letras-AMOL. É o primeiro ocupante da cadeira 11, cujo patrono foi
Luiz Ferreira Cunha da Mota, Padre Mota (1897-1966). Essa entidade cultural lhe
era bastante familiar, visto que seu tio materno, médico Raimundo Nonato
Cavalcanti Nunes (Raimundo Nunes) foi o primeiro ocupante da cadeira 28.
Raimundo Nunes faleceu aos 19 de janeiro de 1990 em Natal-RN. Quem sucedeu seu
tio foi o seu irmão, José Fernandes Dantas. É sócio do Instituto Cultural do
Oeste Potiguar (ICOP) e da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de Mossoró
(ACJUS).
Publicou
vários trabalhos: Contribuição de Leão
XII à questão social (1966); Homenagem
Póstuma ao Acadêmico Raimundo Nonato Nunes (1990); Os Bastidores de uma Luta (1991), dentre outros.
Com
uma trajetória reconhecida em defesa da Educação e da Sociedade Potiguar, o
Padre Sátiro Cavalcanti Dantas lançou na noite de 08 de dezembro de 2015, o
livro Reflexões – Programas da FM
Educativa Santa Clara. Trata-se de uma coletânea dos melhores momentos de
seu programa diário na FM Santa Clara (105), apresentado sempre às 18h. O
título foi cuidadosamente compilado pelos escritores David Leite e Clauder
Arcanjo, da editora Sarau das Letras, em uma justa homenagem ao padre. A data
marcou os 61 anos de sua ordenação sacerdotal e os 161 anos do dogma da
Imaculada Conceição.
Padre
Sátiro deixou a direção do Colégio Diocesano Santa Luzia em 8 de junho de 2016,
em bela solenidade. Emocionado, pediu ao bispo Dom Mariano Manzana que o seu
dileto conterrâneo, Padre Charles Lamartine de Sousa Freitas, o sucedesse.
Sátiro
mantém a sua participação nos eventos, inaugurações, solenidades, lançamentos,
na cidade de Mossoró. Apesar de não se considerar como presença ativa, e sim
mais contemplativa e de entusiasmo. Ele, de fato, entusiasma as gerações novas.
Porque a sua atividade fecunda nos mais diversos ramos de atividade, enriquece
não apenas a gleba mossoroense, como o oeste potiguar, em especial.
Em
sua terra natal, Padre Sátiro foi merecidamente homenageado, como patrono de
biblioteca, a Biblioteca Setorial Padre Sátiro Cavalcanti Dantas do Campus
Avançado de Pau dos Ferros. Inaugurada em 30 de novembro de 2018 pela manhã,
contou com a ilustre presença do homenageado. Na ocasião, num dos momentos mais
marcantes da solenidade, afirmou Padre Sátiro, sendo muito aplaudido.
Não escrevi nenhum
discurso de propósito, para que meu coração se abrisse em Pau dos Ferros… Quero
documentar minha presença nessa solenidade e na Biblioteca, para que ela tenha
sempre uma parte de mim. Por isso, decidi doar toda a obra de Santo Agostinho
do acervo da minha biblioteca pessoal.
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