domingo, 10 de maio de 2020

MESA POSTA






Vanda Maria Jacinto
Escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa
v.m.j@hotmail.com

      Nada mais sublime de que a família reunida em torno da mesa posta para refeições. Os costumes podem até mudar de família para família, mas a socialização sempre acontece, nem que seja pelos comentários curiosos sobre uma receita nova ou algo visto nas redes sociais ou na tevê.
      O ritual exercido na hora das refeições vai muito além do que o processo de ingerir os alimentos. É nesse momento que se ensina aos rebentos os bons hábitos alimentares e de como nos devemos nos portar nessa hora sagrada.  Pelo menos foi como aprendi e repassei para os meus.
     Impossível nesse instante não voltar no tempo. Quando criança, na hora das refeições, de sagrado, só as boas intenções. Mal agradecíamos pelos alimentos e tudo virava uma verdadeira festa. Minha mãe teve dez filhos com diferença mínima nas idades; daí, imagine o fuzuê! Eu sou a segunda mais velha. Era um tal de não gosto disso, põe só isso, ou frita um ovo para mim – lógico que essa era eu, enjoada, não gostava de quase nada das misturas que minha mãe fazia. Mas, vivíamos felizes.
      As conversas, para o desgosto do meu  pai, eram infindas e muito animadas, o que não lhe permitia manter um diálogo mais sério com a minha mãe.   
      Os assuntos mais variados possíveis, as risadinhas, enredos de brigas, castigo na escola, brinquedo quebrado, nota baixa, quem ia lavar a louça, a vez de quem enxugá-las, e por aí iam as nossas fanfarrices de criança.
      Eu, sonsa, sempre ficava caladinha, só ouvindo; e, mesmo assim, às vezes sobrava para mim. Embora muitos de nós já soubéssemos nos servir sozinhos, minha mãe é quem fazia os nossos pratos para que não houvesse exageros.        Começava sempre pelos menores e ia subindo a escadinha. Eu era a penúltima – para o meu azar –, pois sempre gostei de saborear a comida ainda fumegando, e quando chegava a minha vez já estava morna. Esse era um dos motivos de ficar calada, ou comia ou falava, porque boca cheia e conversa, nunca foi uma boa combinação!
      Na alimentação, de tudo tinha um pouco, mas nada era desperdiçado. Minha mãe sempre foi muito criativa na cozinha. Sobras de arroz viravam bolinho; sobrava carne, na outra refeição tinha picadinho com batata e assim por diante. Andei muito nas redondezas lá de casa, atrás de cambuquira – broto da rama de abóbora –, para a minha mãe fazer uma boa fritada.
Esse tempo se prolongou durante vários anos e, embora os assuntos fossem mudando, os costumes não.
      Fui a primeira dos dez filhos a se casar. Chorava diariamente com saudades desses momentos, do burburinho na hora das refeições.         
      Acostumada a ajudar minha mãe a cozinhar, sofri um bocado até descobrir as medidas certas de alimento para duas pessoas. Depois, fui ajustando as quantidades com a chegada dos filhos. Hoje, estou me readaptando, pois os filhos seguem seus rumos e novamente estamos só, os dois. O que não me impede de fazer pratos mais elaborados, já conhecidos e inventar outros. Mas confesso, adoro casa cheia, mesa repleta de comidas gostosas e guloseimas na sobremesa – que acontece agora, quando os filhos vêm nos visitar. O bom mesmo em tudo isso é o preparo de cada prato, em que cada um vai mostrando suas habilidades e, no final, tudo fica muito bonito e gostoso!
      Geralmente, esses encontros acontecem em datas específicas como dia das mães, dos pais, Páscoa, aniversários, Natal e Ano Novo.
      A conversa no entorno da mesa se estende até onde vão os nossos pensamentos. Por vezes, acabam nas recordações da infância. Cada um tem uma história melhor do que a do outro.
      A reunião da família nas refeições é um ritual que deve ser mantido a todo custo. Aproxima-nos cada vez mais e nos ensina o melhor da convivência.
Esses dias de crise mundial têm favorecido em muito a integração familiar. Que possamos internalizar esse aprendizado e levá-lo para o nosso viver.        Daqui a alguns anos, passando uma dessas datas festivas na casa de algum filho ou neto, teremos mais esse capítulo da história da família para relembrar à mesa.

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