segunda-feira, 5 de setembro de 2022

ATITUDE

 


Vanda Jacinto

 

Por Vanda Maria Jacinto

Escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa.

v.m.j@hotmail.com

 

Depois de um 'longo e tenebroso inverno', distante dos bancos escolares, aos vinte e nove anos, resolvi voltar aos estudos.

Fiz o Curso Supletivo de 1º Grau, em Natal – cidade onde residia – estudando em casa e sozinha. Paguei as disciplinas em duas vezes. Aproveitava as horas vagas da tarde para estudar, haja vista pela manhã estar ocupada com os afazeres domésticos e filhos.

Minha alegria foi por curto espaço de tempo, pois, novamente, hibernei nos estudos. Em 1982, engravidei da caçula. Nova trégua nas letras e a transferência do meu esposo para Mossoró no ano seguinte.

Quando aqui cheguei, os novos ares de Mossoró – diga-se de passagem quentes – e a força e estímulo dos meus sogros, verdadeiros pais, fizeram-me voltar aos estudos. Assim, providenciei a matrícula no Curso Normal, na Escola Estadual Jerônimo Rosado. Iniciava ali a realização de mais um sonho: ser professora.

Num primeiro momento, tudo me extasiava. O fato de ter conseguido a vaga – algo difícil à época – a estrutura da escola em si, grande e moderna, embora antiga, a exigência do fardamento… Eu ia usar uniforme novamente.

A verdade é que não me continha de felicidade. Não via a hora de iniciar as aulas, que demorariam, pois estávamos no final do ano.

Um dos meus presentes de fim de ano foi o uniforme. Mandei fazer duas blusas brancas e uma saia azul marinho, pregueada. Comprei dois pares de meia soquete branca e um par de sapatos mocassim preto, sem contar com o material escolar – caderno universitário, lápis, canetas, borracha, régua – enfim, o necessário para começar.

Contei as semanas, os dias e os minutos até chegar o dia D. Meu coração batia acelerado a cada passo dado na segunda rampa do prédio. Sim, a segunda rampa, pois as salas foram organizadas pela faixa etária das alunas, e a sala a mim destinada seria a penúltima, a de letra H.

Até certo ponto achei bom, pois quase não havia desnível de idade, mas, é claro, eu era uma das mais velhas.

Foi emocionante entrar numa sala de aula depois de tanto tempo. Ocupei a segunda cadeira da penúltima fila, próxima aos janelões da sala.

Uma das professoras daquele dia nos organizou, exigindo que assim ficássemos em suas aulas. Curiosamente, permaneci no lugar que ocupara desde o início. Achei ótimo. E optei por ele. Só me levantava na hora do intervalo, quando ia ao banheiro ou beber água.

Muita coisa era diferente do meu tempo de criança: achava o cúmulo as alunas ficarem transitando na sala em plena aula, ao invés de prestarem atenção às explicações.

Certo dia, fiquei na sala no intervalo. Daí, uma garota veio me perguntar se eu era normal ou doente. Virei assunto da turma, sem querer… Achavam estranho que eu só ficasse sentada o tempo todo. Não adiantaria me explicar.

Um dos meus propósitos quando voltei a estudar era o de não perder tempo, ou seja, tinha que aprender e recuperar tudo o que havia deixado de lado lá atrás. E assim eu seguia.

Alguns professores eram exigentes demais. Tentava dar conta de tudo, casa, filhos e estudos.

Certo dia, ao receber um trabalho com a nota oitenta e dois, fui procurar a professora para que me justificasse, anotando os erros, já que não havia nenhuma anotação. Indignada, ela o arrebatou de minhas mãos e não me disse nada. No dia seguinte me entregou com a nota noventa, rasurando a anterior. Quando abri o trabalho, nenhuma anotação. Voltei ao bureau e lhe disse que não queria a alteração da nota e, sim, a correção do conteúdo. Mais enfezada ainda, ela guardou o trabalho na pasta e me mandou sentar.

Ao término de sua aula, algumas alunas vieram até minha carteira e me chamaram de louca, por contrariar aquela professora. E perguntaram: você sabe quem é ela? Eu, inocente, disse: Não. Ela é Socorro de Tal. É a pior professora aqui do colégio. Ela vai te marcar, responderam, ainda atônitas com a minha atitude. Nos dias que se seguiram, notei que a professora me ignorava nas aulas. Contudo, ainda aguardava com calma o seu parecer.

Não entendia o que queriam dizer com 'marcar'. O que sei é que estudei feito louca.

Chegara o dia da prova e nada de ela devolver o trabalho. Os dias se passaram e, no final do bimestre, os esperados resultados chegaram. Fui fechando nas notas em todas as disciplinas. Na aula dela, meu coração acelerou; as meninas me olhavam a cada nome chamado. O meu sempre foi um dos últimos – Vanda.

Só tinha um depois do meu. Ela deixou o meu por último. Antes de me nomear, começou dizendo que não havia entendido os questionamentos daquela aluna, mas que o resultado da prova tinha respondido as suas dúvidas. Entregou o trabalho e a prova, parabenizando-mr. Chorei de emoção, não pelas notas, mas pela atitude dela.

E, embora ela continuasse como o 'bicho-papão' do colégio, sempre respeitei seus posicionamentos. Quando no último ano do curso, submeti-me ao Concurso Público do Estado, para professora, e passei em segundo lugar, encontrei-me com ela no centro da cidade. Ao cumprimentá-la, ela me abraçou e disse: procurei o seu nome na lista dos aprovados por procurar, mas sempre tive a certeza que lá estaria. Parabéns.

Nesse momento, percebi que o meu caminho tinha sido bem trilhado até ali. Buscar saber onde errava para não incidir no erro, dedicando-me ao máximo aos estudos, em cada tempo livre, seguindo orientações e exigências dos professores, foram atitudes que me levaram ao sucesso. Fizeram-me realizar o sonho de ser professora. Este tipo de atitude procurei estimular em meus filhos e lanço mão até hoje em tudo o que faço – dar sempre o meu melhor.

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