Por Vanda
Maria Jacinto
Escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa.
v.m.j@hotmail.com
Depois de um 'longo e
tenebroso inverno', distante dos bancos escolares, aos vinte e nove anos, resolvi voltar aos estudos.
Fiz o Curso Supletivo de
1º Grau, em Natal – cidade onde residia – estudando em casa e sozinha. Paguei
as disciplinas em duas vezes. Aproveitava as horas vagas da tarde para estudar,
haja vista pela manhã estar ocupada com os afazeres domésticos e filhos.
Minha alegria foi por curto
espaço de tempo, pois, novamente, hibernei nos estudos. Em 1982, engravidei da caçula. Nova trégua nas letras e a transferência do meu esposo para
Mossoró no ano seguinte.
Quando aqui cheguei, os
novos ares de Mossoró – diga-se de passagem quentes – e a força e
estímulo dos meus sogros, verdadeiros pais, fizeram-me voltar aos estudos.
Assim, providenciei a matrícula no Curso Normal, na Escola Estadual Jerônimo
Rosado. Iniciava ali a realização de mais um sonho: ser professora.
Num primeiro momento,
tudo me extasiava. O fato de ter conseguido a vaga – algo difícil à época – a
estrutura da escola em si, grande e moderna, embora antiga, a exigência do
fardamento… Eu ia usar uniforme novamente.
A verdade é que não me
continha de felicidade. Não via a hora de iniciar as aulas, que demorariam,
pois estávamos no final do ano.
Um dos meus presentes de
fim de ano foi o uniforme. Mandei fazer duas blusas brancas e uma saia azul
marinho, pregueada. Comprei dois pares de meia soquete branca e um par de
sapatos mocassim preto, sem contar
com o material escolar – caderno universitário, lápis, canetas, borracha, régua
– enfim, o necessário para começar.
Contei as semanas, os
dias e os minutos até chegar o dia D. Meu coração batia acelerado a cada
passo dado na segunda rampa do prédio. Sim, a segunda rampa, pois as salas
foram organizadas pela faixa etária das alunas, e a sala a mim destinada seria
a penúltima, a de letra H.
Até certo ponto achei
bom, pois quase não havia desnível de idade, mas, é claro, eu era uma das mais
velhas.
Foi emocionante entrar
numa sala de aula depois de tanto tempo. Ocupei a segunda cadeira da penúltima
fila, próxima aos janelões da sala.
Uma das professoras
daquele dia nos organizou, exigindo que assim ficássemos em suas aulas.
Curiosamente, permaneci no lugar que ocupara desde o início. Achei ótimo. E
optei por ele. Só me levantava na hora do intervalo, quando ia ao banheiro ou
beber água.
Muita coisa era diferente
do meu tempo de criança: achava o cúmulo as alunas ficarem transitando na sala
em plena aula, ao invés de prestarem atenção às explicações.
Certo dia, fiquei na
sala no intervalo. Daí, uma garota veio me perguntar se eu era normal ou
doente. Virei assunto da turma, sem querer… Achavam estranho que eu só ficasse
sentada o tempo todo. Não adiantaria me explicar.
Um dos meus propósitos
quando voltei a estudar era o de não perder tempo, ou seja, tinha que aprender
e recuperar tudo o que havia deixado de lado lá atrás. E assim eu seguia.
Alguns professores eram exigentes demais. Tentava dar conta de tudo, casa, filhos e estudos.
Certo dia, ao receber um
trabalho com a nota oitenta e dois, fui procurar a professora para que me
justificasse, anotando os erros, já que não havia nenhuma anotação. Indignada,
ela o arrebatou de minhas mãos e não me disse nada. No dia seguinte me entregou
com a nota noventa, rasurando a anterior. Quando abri o trabalho, nenhuma
anotação. Voltei ao bureau e lhe
disse que não queria a alteração da nota e, sim, a correção do conteúdo. Mais
enfezada ainda, ela guardou o trabalho na pasta e me mandou sentar.
Ao término de sua aula,
algumas alunas vieram até minha carteira e me chamaram de louca, por contrariar
aquela professora. E perguntaram: você sabe quem é ela? Eu, inocente, disse:
Não. Ela é Socorro de Tal. É a pior professora aqui do colégio. Ela vai te
marcar, responderam, ainda atônitas com a minha atitude. Nos dias que se
seguiram, notei que a professora me ignorava nas aulas. Contudo, ainda
aguardava com calma o seu parecer.
Não entendia o que
queriam dizer com 'marcar'. O que sei é que estudei feito louca.
Chegara o dia da prova e
nada de ela devolver o trabalho. Os dias se passaram e, no final do bimestre,
os esperados resultados chegaram. Fui fechando nas notas em todas as
disciplinas. Na aula dela, meu coração acelerou; as meninas me olhavam a cada
nome chamado. O meu sempre foi um dos últimos – Vanda.
Só tinha um depois do
meu. Ela deixou o meu por último. Antes de me nomear, começou dizendo que não
havia entendido os questionamentos daquela aluna, mas que o resultado da prova
tinha respondido as suas dúvidas. Entregou o trabalho e a prova, parabenizando-mr. Chorei de emoção, não pelas notas, mas pela atitude dela.
E, embora ela continuasse
como o 'bicho-papão' do colégio, sempre respeitei seus posicionamentos.
Quando no último ano do curso, submeti-me ao Concurso Público do Estado, para
professora, e passei em segundo lugar, encontrei-me com ela no centro da
cidade. Ao cumprimentá-la, ela me abraçou e disse: procurei o seu nome na lista
dos aprovados por procurar, mas sempre tive a certeza que lá estaria. Parabéns.
Nesse momento, percebi
que o meu caminho tinha sido bem trilhado até ali. Buscar saber onde errava
para não incidir no erro, dedicando-me ao máximo aos estudos, em cada tempo
livre, seguindo orientações e exigências dos professores, foram atitudes que me
levaram ao sucesso. Fizeram-me realizar o sonho de ser professora. Este tipo de
atitude procurei estimular em meus filhos e lanço mão até hoje em tudo o que
faço – dar sempre o meu melhor.
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