David Leite, ao centro da foto. |
David de
Medeiros Leite
é professor da UERN e Doutor pela Universidade de Salamanca
(Espanha).
davidmleite@hotmail.com
Jovem casal Izabel
Fernandes e Ricardo Giorgio nos convida para jantarmos em sua casa. Porém,
acrescentam que, a mim, caberá a tarefa de falar aos presentes sobre um piano
que adorna a sala deles. Para chegarem a essa especificidade, qual seja, a de
que eu conhecia um pouco da história daquele instrumento musical, não foi
difícil, sabedores de meu parentesco com Ari Duarte, antigo proprietário, e,
por conseguinte, o interesse por sua atuação no cenário musical de Mossoró.
Não me fiz de rogado,
aceitei comentar, em tom de conversa, o que sabia a respeito do piano e de
algumas nuances imbricadas com sua aquisição e uso.
Em primeiro lugar, vamos comentar um pouco
acerca da família responsável pela aquisição do piano. Francisco Duarte Filho - 1905 – 1973 - e Maria Salem Duarte - 1914 – 1978 - tiveram três filhos: Ari Salem
Duarte - 1932 – 1992; Arita Salem Duarte - 1935 – 2014 - e Cid Salem Duarte - 1936
– 2000. Vale frisar que Ari era gravado com i, ao contrário do que aparece
na denominação de edifício da cidade: Ary Salem.
O mossoroense
Duarte Filho cursou Medicina no Rio de Janeiro e, canudo na mão, regressou ao
torrão. Arrastava-se, em sua terra natal, o esforço de se erguer um hospital.
Duarte encampa a ideia e, em 1938, inaugura o primeiro nosocômio de Mossoró:
Hospital de Caridade. Duarte Filho também se envolve em política partidária,
chegando a ocupar a prefeitura da cidade, ainda na década de 1930, episódio que
retratamos no livro que organizamos em parceria com o saudoso Lupercio Luiz de
Azevedo: Duarte Filho – Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (Mossoró:
Sarau das Letras, 2005); secretário de Estado de Saúde e senador da República,
cuja eleição ocorreu em 1966, porém Duarte faleceu um ano antes de concluir o
mandato.
Duarte Filho e
Maria Salem educaram os filhos dentro de padrões da época. Arita e Cid,
seguindo a carreira do pai, cursaram medicina em Recife (PE). Para tanto,
contaram com o apoio e a infraestrutura necessários, como apartamento montado
na capital pernambucana, entre as décadas de 1950 e 1960.
Ari desejou
seguir uma carreira diferente dos irmãos: quis estudar música. Numa primeira
etapa em Recife e, posteriormente, no Rio de Janeiro. Contou com o irrestrito
apoio dos pais. O que os irmãos dispuseram para seguirem nos estudos de
medicina foi proporcionado a Ari no concernente à sua carreira de musicista. E
isso merece destaque, pois estamos abordando uma época em que os preconceitos,
sobre quem desejava seguir uma carreira que não fosse nas áreas de medicina,
engenharia e direito, eram exacerbados.
Tive
oportunidade de ouvir, do próprio Ari, fragmentos de diálogos dele com os pais,
em relação aos instrumentos que precisou adquirir. Quando, por exemplo, Ari
ainda estava no Rio de Janeiro, pela intensidade dos estudos, teve que ser
providenciado um piano vertical (ou piano de armário), instalado que foi em seu
apartamento. Nessa ocasião, começou a tratar, com os pais, sobre a
possibilidade de adquirir um piano de cauda, para sua futura Escola de Música
em Mossoró, e, logo em seguida, foi providenciado.
Na segunda
metade da década 1950 (não sei precisar a data), o piano tcheco, de marca
Petrof, chegou a Mossoró. Numa primeira etapa, ficou na casa de Duarte Filho,
prédio no qual, hoje, funciona o gabinete da Prefeitura, e se denomina Palácio
da Resistência.
No começo dos
anos 1960, Ari retorna a Mossoró e monta a Escola Santa Cecília, especificamente
na Rua Cunha da Mota. Na Escola Santa Cecília, existiam dois pianos: o vertical
e o de cauda, Petrof. O primeiro servia para Ari ministrar aulas, já o segundo
era reservado para concertos. E, durante quase uma década, Ari escalou, para
apresentações em solo mossoroense, pianistas que foram seus professores no Rio
de Janeiro. A Escola dispunha de um miniauditório, e os concertos eram
didaticamente organizados, com folder, etc.
A Escola Santa
Cecília deixou de funcionar em 1974. Ari seguiu ensinando em uma das salas da
casa dos pais. Essa penúltima fase de Ari, como professor de piano clássico, no
hoje Palácio da Resistência, perdurou até 1986, quando o sodalício foi entregue
à municipalidade, fruto de doação (isso mesmo: o Palácio da Resistência foi doado
à municipalidade) dos herdeiros de Rodolfo Fernandes.
Ari volta a
morar no prédio em que funcionou a Escola Santa Cecília e, apesar do ritmo mais
lento, ainda seguiu ministrando aulas. E os dois pianos, claro, ao seu lado.
Ari Duarte
faleceu, em 1992, de enfarto fulminante, quando caminhava numa calçada perto de
sua residência.
Nessa última fase de Ari, em meio
a descontraídas conversas, ouvi dele considerável preocupação quanto ao destino
de seu piano Petrof. Numa dessas oportunidades, chegou a cogitar vendê-lo,
recorrendo a anúncios em jornais, para alguém do sudeste, alegando que, se
assim procedesse, lhes pagariam o que realmente valeria aquele instrumento.
Mas, suas intenções foram aniquiladas por tão repentina morte.
Nessas
coincidências do destino, após considerável tempo, seus sobrinhos, filhos da
irmã Arita, resolvem vendê-lo ao casal Izabel e Ricardo. Além do investimento
da compra, investiram na recuperação física do instrumento, que, agora, voltou
a sonorizar outro lar mossoroense.
Na noite em
que fiz tais considerações, acrescentei aos presentes que, apesar de tratar-se
de um instrumento musical, a trajetória daquele piano Petrof, ou do piano de
Ari Duarte, tem muito a ver com a história do ensino da música clássica em
Mossoró, que, um dia, será dignamente resgatada, e registrada.
O jovem músico
Joabe Willamys, também convidado para o referido jantar, nos brindou com um
ótimo repertório, mesclando músicas clássicas e populares.
Noite que nos
fez reviver a saga daquele piano e que, certamente, encheria de felicidades o
seu antigo regente: Ari Salem Duarte.
Ari Duarte |
David, com relação ao seu parente, Duarte Filho, lembro-me de uma passagem em que o próprio Senador me deu, e aos meus amigos, uma lição daquelas. Foi assim: eu e uma reca de adolescentes estudávamos no Ginásio Municipal (hoje Escola de Artes) e sempre quando vínhamos para casa, por volta do meio-dia, visitávamos uns pés de goiaba da casa do ilustre mossoroense. Era fácil: só precisávamos olhar se o portão estava só encostado. Normalmente estava. Então entrávamos e fazíamos a festa comendo as saborosas goiabas. Porém, um dia em que estávamos tirando as goiabas quem nos aparece? Sim, o próprio Duarte Filho. Quando aquele homem falou para a gente sair dali, o pânico tomou conta, pois ele estava acompanhado de um empregado. Entretanto, o Senador mandou que nos sentássemos nas escadas que levava para a porta principal (que ficava na lateral de quem entrava) e nos deu vários conselhos. O principal deles foi a de não invadir propriedade alheia. Quando terminou e nós íamos saindo, ele nos mandou tirar as goiabas que quiséssemos porque ele sabia que estávamos com fome naquele horário. Isso me marcou muito e não tem uma vez que eu passe ali, no hoje Palácio da Resistência (que conserva o mesmo formato arquitetônico) não me lembre do fato. Boas lembranças...
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