Presença de Helen
Por Dorian Jorge Freire
Lembra-nos ainda - não faz muito tempo - quando surgia em Natal uma poetisa, diferente, ensaiando ousados vôos, triturando velhas regras e fórmulas, pisando venerados tabus, seguindo no verso livre e desenvolto à escola modernista. Era Helen Ingersoll, uma desconhecida filha de Mossoró, descendente de estrangeiros. De um momento para outro, num espaço de tempo nada considerável, a guria de porte altivo e palestra cheia de calor que toda Mossoró conheceu encontrava a poesia e se encaminhava cônscia de suas responsabilidades e dona de sua arte pelos caminhos das letras.
Apareceram, então, debates acalorados, discussões intempestivas sobre Helen. As opiniões de seus conterrâneos sobre sua poesia eram as mais apaixonadas e diversas entre si. Uns, viam na poetisa Helen Ingersoll uma jovem de inteligência brilhante, de espírito lúcido, de poética extraordinária. Outros, secamente, procuravam inutilmente não tomar conhecimento da existência da poetisa, desdenhando-a e criticando-a com acrimonia. Helen era para estes últimos, uma menina endiabrada, terrivelmente fria e calculista, extravagante no seu realismo pornográfico.
Helen, entretanto, não era nada disso. Era o meio termo entre as opiniões em choque. Era , apenas, uma moça realmente dona de uma inteligência brilhante, de um espírito irrecusavelmente superior, endiabrada e entusiasmadíssima com a descoberta de si mesma. Era, tão-somente, uma poetisa de fato que aparecia.
Depois desapareceu Helen. Seu nome pouco a pouco se ausentou dos suplementos literários dos jornais natalenses. Seu lugar foi ocupado por outros de menor importância e quase nenhuma significação.
A poetisa viajara para o Rio e desaparecera no emaranhado da Cidade Maravilhosa. Alguns afirmavam mesmo que em Helen a poesia fora uma febre passageira, um impulso efêmero, uma criancice inconsequente. Ela não passava agora, segundo eles, de assídua leitora de poetas modernistas, além de ótima funcionária e aluna exemplar.
Agora me chega às mãos um jornalzinho editado no Distrito Federal, pelos alunos do conhecido Educandário Rui Barbosa. Seu nome é “Pátio” e Helen Ingersoll é sua diretora.
Helen existe e continua poetisa, já não é a mesma de ontem; o que lhe faltava antes, agora ela o possui: maior experiência, firmeza. Conseqüência. Pudemos notar maior segurança no seu estilo de cronista admirável. Maior força nas suas expressões poéticas de tanta beleza. Aquele entusiasmo de outrora deu lugar a uma segurança invejável em tudo que ela escreve. Quer nos seus poemas, quer nos registros sobre teatro que aquele jornal publica, quer num substancioso trabalho sobre forma e essência na poesia, quer nas notas de redação por ela escritas, verificamos o progresso indisfarçável que se vai operando naquela que nós não titubeamos em denominar de filha mais ilustre de Mossoró.
Em “Pátio”, Helen impera. Em todos os cantos notamos sua presença, em todas as páginas verificamos sua influência. Desde o artigo de fundo ao comentário jocoso, do poema moderno à crônica leve, do comentário ligeiro ao estudo complexo e sério. Helen está, enriquecendo com sua inteligência aquele mensário, honrando com sua presença aquele punhado de jovens capazes e destemidos.
Enganaram-se, portanto, os borocochós da literatura caseira, os impenitentes “intelectuais conterrâneos” que afirmavam momento a momento que Helen desaparecera e inexistia como expressão literária. Enganaram-se redondamente, porque Helen Ingersoll, a mossoroense altiva e graciosa, inteligente e valorosa, continua honrando sua terra e se impondo firmemente como um valor indiscutível e de primeira grandeza na geração brasileira de “novíssimos”.
Pelas páginas desse jornal, queremos que chegue até Helen de Patu (um dos pseudônimos da poetisa) os nossos aplausos francos e sinceros. Nossas congratulações pelo aparecimento do jornal e votos de felicidades e vida longa para ele, além de felicitações a todos os que compõem a esclarecida direção do “Pátio”, o jornal de Helen.
O Mossoroense, 02 de dezembro de 1951. Cópia de Maria Lúcia da Escóssia.
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