Vanda
Maria Jacinto
Escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa
E-mail: v.m.j@hotmail.com
Dia desses, numa prosa
boa com uma garota – atendente de uma barraca da praia – fiquei curiosa com os
seus relatos juvenis. Entre uma conversa e outra, ela tocou no assunto de
amizades e, com pesar, relacionou os poucos amigos que tivera até então, nos
seus dezessete anos de vida. Contou que, enquanto pequena, os pais viviam se
mudando de casa e de bairro, o que dificultava manter amizades. Depois, veio a
separação deles, e sua criação passou a ser responsabilidade de uma tia. Cedo começou a trabalhar, e os amigos foram se perdendo ao longo da vida.
Uma menina! Mas já se
prepara, segundo ela, para o casamento – embora o sonho de continuar os estudos
e de se formar em Psicologia continuem em foco também.
Na volta do passeio, vi-me pensando nessa conversa e percebi o quanto nossa vida é intermitente. Por
mais que se procure dar uma continuidade aos acontecimentos, ainda assim,
muitas vezes, as rupturas acontecem. São intrigantes e, ao mesmo tempo, podem
ser imperceptíveis aos olhos comuns.
Ainda nesse raciocínio, lembrei que também passei por situações parecidas: as mudanças
frequentes de habitação – pelo mesmo motivo dela – geravam uma bagunça danada
na minha cabeça. Como se não bastasse – ou, quem sabe, habituei-me ao processo
– depois de casada também resolvi fazer uma mudança radical na minha vida.
Deixei minha cidade natal, meus familiares, e vim morar aqui no Nordeste. Mas
essa história já contei.
Voltando às
intermitências da vida, ou melhor, da minha vida.
Num passeio pela
história, liguei fatos aos meus passos. Por volta do ano de 1910, as áreas
desocupadas da Região Sul, o desenvolvimento nas plantações de café no interior
de São Paulo e os próprios incentivos governamentais à imigração estimularam a
vinda, em massa, dos europeus para o Brasil, em busca de condições melhores de vida, aventuraram-se numa nova empreitada.
Como resquício desse
processo, nessa leva, estavam os meus avós paternos, Dolores e Antônio,
espanhóis, e minha avó materna, Maria, portuguesa.
Do pouco que sei deles,
minha avó Dolores aportou lá pelo sul do país. Só depois veio para o interior
de São Paulo.
Meu avô Antônio já estava
lá pelo interior paulista, quando minha avó chegou, de morada.
Minha avó Maria, desta
sei menos ainda. Apenas que se estabeleceu nesse mesmo interior, onde conheceu
meu avô Joaquim – goiano de nascença e tropeiro por opção, até aquela data.
Tanto meus avós maternos
como paternos trabalhavam como colonos – trabalhadores rurais nas lavouras de
café de grandes proprietários.
Pouco se sabe das suas
histórias de vida. A começar pela mudança natural, quando da saída do país de
origem. Sem condições financeiras e diante dos precários meios de comunicação,
tudo foi empecilho e favoreceu o rompimento na descendência familiar. Até os
seus nomes foram substituídos, ao chegarem por aqui.
Quando ainda pequena,
meus pais, também de espirito itinerantes, resolveram tentar a vida na capital
paulista, o que resultou num outro isolamento familiar, pois, as nossas raízes
permaneceram no interior.
Quando lá retornei, já tinha completos os meus
dezoito anos. Minha avó Dolores havia falecido. Totalmente alheia a tudo e a
todos, fui descobrindo tios, primos; enfim, parentes queridos, que nunca os
tinha visto. Meu avô Antônio viveu até bem pertinho dos cem anos; mas, quando
partiu, estávamos distantes.
Assim sendo, convivi mais
com a família da minha mãe, principalmente a minha avó Maria; mas, mesmo assim,
nunca tive a curiosidade de saber acerca de sua vida, de sua vinda de Portugal
para o Brasil, sofrimentos e vitórias. Ela era introspectiva. Não dava
brecha de conversa com ninguém. Acho que minha missão nessa vida é tirar o atraso
dela, nesse quesito.
Adoro ouvir e contar
causos. Acredito que somos protagonistas da história que vamos desenhando no
nosso fazer diário. Embora tenha sido sempre
uma 'rascunhadora' de pensamentos, só a partir de certo tempo para cá resolvi
registrá-los, e de forma intimista. Pretendo, através da minha modesta prosa,
deixar as marcas dos meus tempos. Quem sabe, um dia, minhas descendências
futuras tenham a curiosidade de saber um pouco da história familiar.
Gosto de ouvir meus
filhos comentando fatos da infância, onde os amigos e as brincadeiras são
comuns a um universo bem maior do que aquele que tive.
Adoro quando lembram
dos mimos feitos pelos avós e falam na saudade e da falta que fazem. Diferente
de mim, que só tenho retalhos das lembranças.
Por isso que, na medida
do possível, tenho deixado meus rastros. Minha escrita é, de alguma forma, um
ir e vir, fazer e desfazer – uma intermitência – nos relatos, nos detalhes, nas
vidas e situações ali registradas.
Se esse tipo de escrita
representa uma forma imatura de expressão, já sei que serei eternamente verde,
pois não abrirei mão das minhas histórias.
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