quinta-feira, 5 de março de 2020

A CASA, A VELHA E ADRIANO


Por José de Paiva Rebouças

   
                                     Capa do livro

       Escrever para crianças é um desafio antigo. Talvez a mais preocupante tarefa dada a um escritor que precisa encaixar metáforas admissíveis em linguagens simples e pedagógicas. Muitos se aventuram nesse campo e não conseguem sucesso, os motivos não são fáceis de compreender. Outros, no entanto, se esbaldam tanto que agregam a seu modo de ser.
    Aqui no Rio Grande do Norte, muitos nomes seguem bem esse caminho, começando com Antôno Francisco que, embora escreva para todos os públicos, chega como ninguém às mentes em desenvolvimento. Manoel Cavalcante segue linha parecida, fazendo crianças se encantarem e adultos chorarem lembrando que ainda são crianças. Salizete Freire, José de Castro, Ivan Cabral que, tardiamente, estreou recentemente, são nomes que também merecem muita atenção.
   Entre tantos outros autores não citados aqui, destaco a narrativa de Adriano Gomes, um sujeito simpático e nada tradicional que faz de sua escrita um caminho paralelo a seu pensamento de autor. Se é difícil para um adulto escrever para crianças, interpretar livros como uma é ainda mais complexo. Por isso, só posso olhar para Adriano com essa cabeça de hoje, embora com enorme esforço para trazer um menino surrado que gostava muito de leituras com rimas e metáforas.
     O livro A Casa e a Velha, de Adriano Gomes, com ilustrações da fabulosa – desculpem o juízo de valor – Raíssa Bulhões, teriam agradado com exagero o menino que fui. A narrativa direta, recheada de rimas simples conta a história de uma velhinha que habitava um ambiente também envelhecido, sujo e triste. Esse contexto muda com a chegada de seu neto que a ajuda a limpar e arrumar a casa, o que acaba modificando seu próprio modo de ser e estar no mundo.
  As ilustrações e os acontecimentos dessa narrativa breve são, por si só, completas para a compreensão e boa aceitação das crianças. A escolha desse livro pelo pessoal da Comunique Editora, certamente passando pelas mãos da excelente editora Bethania Lima – para essa não pedirei desculpas pelo elogio –, não foi à toa. De cara é fácil gostar dele, sobretudo se a pessoa é simples ou vem da zona rural, onde a relação com a realidade é muito mais intrínseca.
     O que é preciso dizer também sobre A Casa e a Velha é o seu poder de atuação sobre as cabeças adultas. O acumulado de pessoas precisando de apoio emocional no mundo é de surpreender. Muitos estão chamando de pandemia, considerando que ansiedade e depressão são grandes males do século. Por mais que pareça exagero de minha parte dizer que esse livrinho para crianças pode ajudar pessoas tristes, a verdade é que não é. As pessoas precisam, cada vez mais, de incentivos e de palavras e, ao contrário do que se pensa – e isso aprendi com Flávia Passalacqua –, querem informações objetivas, simplicidade.
    Na história de Adriano, uma pessoa 'velha', estagnada na vida, não encontra alegrias para sair da tristeza. Uma criança chega e muda tudo. Considerando a alegoria, qualquer um que está para baixo, busca uma novidade ou algo que lhe desperte atenção para o que não está se movendo. No texto de Adriano, o novo é essa criança. A sujeira que foi limpa na casa da velhinha pode, facilmente, ser comparada a nossos problemas internos, jogados para debaixo do tapete. Como disse, algo básico, mas que observando sem pretensão – como é feita a leitura de livros infantis – alcança muros altos e, talvez, até os transborde.
    Quando se lê um livro de autoajuda ou algo técnico, a expectativa do leitor é buscar a compreensão que serve para si. Não é comum se buscar respostas ou orientações em livros infantis, o que é um equívoco, pois esse tipo de literatura está intrinsecamente carregado das melhores mensagens. Exemplos clássicos são Alice no País das Maravilhas e O Pequeno Príncipe. Esses muito mais profundos, claro, mas que, a grosso modo, cumprem função parecida. Sim, porque o livro infantil, paradidático ou não, cumpre a função de educar, o que não necessariamente é o papel geral da literatura que nada tem a realizar além de sua própria liberdade constituída em palavras.
      Adriano Gomes, professor de Comunicação da UFRN, radialista conhecido, pessoa de muitas cores e sorrisos, escreve com uma compreensão do mundo adulto muito grande, mas algo nele é especial para falar com as crianças. Mais do que escritor, Adriano é um dos mais especiais – a palavra é essa mesma –, narrador de histórias. Carrega uma habilidade única e uma entonação tão bonita que prende com enorme facilidade a atenção de qualquer um que o escute. Ler suas histórias é muito bom, mas ficam bem melhores após ouvi-lo interpretando. A sua voz nos carrega para dentro das narrativas e nos mostra, com o peso das palavras, as imagens, expressões e paralelos dos mundos que ele cria. Nessas horas, todos nós voltamos a ser crianças.